quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

MONSTROS & HERÓIS RENOVADOS



Foi-se o tempo em que o herói usava um uniforme que mais lembrava um pijama, isto quando não se usava cueca por cima da calça. Másculo, dentes perfeitos e cabelo penteado, voava por sobre a cidade, salvando gatinhos presos em árvores e no final ganhando um beijo da mocinha.
O romantismo de outrora se foi tão rápido quanto as passadas do velho “The Flash”. Os tempos mudaram e a nossa percepção para atos de heroísmo tiveram de se adaptar. Desde a cultuada série Watchmen, vencedora de prêmios de literatura e citada como um dos 100 melhores livros de todos os tempos, o perfil do herói se modificou e demonstrou-se muito mais próximo da realidade e acima de tudo dos defeitos que qualquer ser humano, mesmo super, já trás de fábrica. Com o fim também dos vilões românticos, que só queriam dominar o mundo, surgiu uma espécie mais cruel de vilão. Daqueles que as vezes se utilizam de terno e gravata,
carregam uma valise repleta de dinheiro sujo, possuem imunidade parlamentar, mas destroem muito mais vidas que qualquer Lex Luthor sonharia em apenas dominar. Há também vilões que agem com uma frieza que faria até o Dr. Freeze do Batman se arrepiar, afinal, no tempo destes heróis e vilões não se via assassinos de crianças, não é mesmo? Em virtude desta nova leva de vilões, eis que surge o novo tipo de herói, ou anti-herói. Aquele coberto de defeitos, violento, austero, mas que você sonharia em tê-lo como amigo e jamais cruzar em seu caminho, caso sua ficha criminal não fosse digna de exemplo. No Brasil o expoente máximo deste novo tipo de herói se consolidou na figura do Capitão Nascimento, protagonista
dos filmes Tropa de Elite 1 e 2, magistralmente interpretado por Wagner Moura. Nascimento é violento, machão, impertinente, mas de boa índole e preceitos básicos (seguindo sua cartilha) honestos. Não é capaz de extorquir um centavo de alguém, mas em compensação não se intimida a cometer atos ilicitos de tortura física e mental, no melhor estilo “o fim justifica os meios”. Não demorou muito para que num país impune como o Brasil, o personagem se tornasse mito. Afinal, ninguém aguenta mais tanta hipocrisia e acima de tudo penas frouxas para criminosos da pior espécie. Assassinos, traficantes, estupradores, políticos corruptos e por aí afora, toda leva que envergonharia até os irmãos metralha, passeia livremente pelas ruas abençoado pelo habeas corpus patrocinado
pelo que se chama de justiça. Desta impunidade surge a necessidade dos vigilantes, dos heróis reais, que de alguma forma tentam limpar o planeta desta escória. Do outro lado do mundo, seguindo a mesma vibe de anti herói, surge Dexter Morgan, um serial killer, que trabalha como investigador forense da polícia de Miami e nas horas vagas usa todo seu instinto e conhecimento de assassino em série para acabar com outros serial killers, seguindo-os com pistas meticulosamente assustadoras guiado por sua mente assassina e seu “passageiro das trevas”, como consciência, que seria uma espécie de grilo falante com ares de Mr. Hyde de Louis Stevenson. A série de TV exibida pela ShowTime foi baseada na série de livros (aliás, recomendo) de Jeff Lindsay, onde Dexter é o protagonista. Claro que a riqueza de detalhes do livro sempre se supera, mas optando por seguir uma evolução distinta da literatura, o seriado não faz feio e entretem e vicia milhões de espectadores por todo o mundo. O ponto alto da série é sem dúvida o ator Michael C. Hall, premiado pela sua interpretação como o serial killer mais amado do mundo. Parece as vezes que Lindsay escreveu Dexter de encomenda para C. Hall, tamanho desempenho do jovem ator. Impossível imaginar outro na pele do psicopata. O talento dos roteiristas somado à versatilidade de Michael, dá o tempero extra às temporadas, que neste momento tem sua sexta sendo gravada. Para se ter uma idéia da desenvoltura do personagem, que aliás deu ao ator inúmeras indicações a prêmios importantes da TV, tendo conquistado grande parte deles, é raro numa série de sucesso que gira em torno de um personagem chave, este mesmo sofrer mudanças de comportamento drásticas durante as temporadas, pois é bem mais prático aos produtores, seguir com o personagem em piloto automático de emoções e garantir a audiência, mas aqui o risco é a cereja do bolo. Na primeira temporada, o espectador é apresentado ao personagem Dexter, que seguindo o “Código de Harry” – policial que o adotou aos três anos de idade e que tem seu espírito o perseguindo como um mentor -, mantém acesa a sua chama de assassino, porém eliminando apenas criminosos da pior espécie, sem dó nem piedade e ainda tendo o prazer de mostrar a face de suas vítimas antes de mandar o infeliz acertar contas no inferno. Por incrível que pareça, mesmo com esta premissa violenta e malévola é impossível não só gostar do psicopata (esta aí o Jason e Hannibal que não nos deixa mentir), mas compreendê-lo e torcer por ele, para que de fato aniquile suas vítimas. E pior, você chega até a vibrar com isto. Quer dizer, será que seu passageiro das trevas está se revelando? Na segunda temporada, Dexter, elemento frio, que como um andróide tenta se passar por humano, usando como disfarce uma namorada com dois filhos pequenos, alguns amigos no D. P. e um carinho acolhedor pela irmã policial e ninfomaníaca. Mas talvez vestindo demais a carapuça de humano, pega gosto pela coisa e arruma uma amante, ao mesmo tempo em que está na berlinda para ser descoberto e claro, com o risco de ser condenado à pena de morte pelo estado, que ele mesmo atua em favor. Na terceira temporada, descobre um parceiro de crimes e que de certa forma o ajuda a entender um pouco o processo de leis que invariavelmente acabam facilitando a vida de criminosos. Já na quarta, Dexter tem um filho, além dos dois enteados, e a vida do psicopata parece se complicar mais, pois além do amor cada vez mais penetrando em sua medula, agora vêm a falta de tempo para seus passeios noturnos. Para completar, Dexter encontra com seu pior antagonista (excepcional e premiada atuação de John Lithgow) e a temporada ferve, aliás, eleita por fãs e crítica como a melhor de todas. Já na quinta, o psicopata tenta cada vez mais se redimir e se tornar, digamos assim, humano, mas será que ele de fato conseguirá? E nós, espectadores e cúmplices, gritamos juntos a favor de Dexters, Nascimentos e tantos outros heróis vigilantes, para que nos salvem, mesmo que metaforicamente do inferno de Dante que aspira sobre as nossas cabeças agraciado pela legislatura de homens, que estão mais preocupados em aumentar os próprios salários e viajarem às nossas custas do que de fato construírem um mundo melhor e mais justo. Talvez estes sim sejam os piores psicopatas da humanidade. Bem que Dexter poderia dar passar umas férias em Brasília, não acham?

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