segunda-feira, 2 de abril de 2012

O MURO DE ROGER WATERS




Há tempos venho dizendo que artista faz show, mas só mesmo gênios fazem espetáculos. Neste domingo Roger Waters confirmou minha teoria com seu deslumbrante The Wall que deixou 70 mil pessoas em estado de êxtase absoluto. Para quem passou dos 40, o disco que vendeu 25 milhões de cópias pelo mundo já proporcionou grandes momentos e já fez parte da trilha sonora da vida de muitos. O filme, lançado em 82, dirigido por Alan Parker, foi uma verdadeira porrada na época e é até hoje indiscutivelmente a melhor ópera rock de todos os tempos. Para os mais jovens, o titio Roger Waters é o homem que compôs Another Brick in The Wall que você já cantou diversas vezes, mesmo sem saber que raios era Pink Floyd. Ironicamente o espetáculo da turnê de lançamento do álbum teve pouco menos que apenas 30 apresentações em sua época e depois já em 1990, com Roger Waters fora do Pink Floyd, transformou-se num gigante espetáculo conduzido pelo mesmo para comemoração da queda do muro de Berlim. Este show contava com a presença de Cindy Lauper, Scorpions, Bryan Adams e outros ídolos da época. A espetacular nova montagem de The Wall para os palcos realmente impressiona. Com um custo de 60 milhões de dólares e já vista por quase dois milhões de pessoas, impressiona a todos e dispara na liderança de melhor espetáculo, deixando para trás,bem para a trás, artistas como U2, Madonna e Lady Gaga. O set list do show segue a risca a trilha do filme ou o encarte do disco, como queira o leitor. Toda a dor, angústia e solidão frente à violência e estupidez da guerra somada a um toque de 1984 de George Orwell, faz desta obra de Waters, sem dúvida a mais importante e genial de sua carreira. A morte de seu pai, vítima da segunda guerra mundial, de fato o abalou e serviu como fomentadora para a criação de letras maduras e melodias operescas, tornando-o atemporal, pois ainda hoje o tema é completamente verossímil e atual. O muro que serve de metáfora para o isolamento do mundo perante injustiças, dores e neuras, físico ali no espetáculo com seus 137 metros de largura e onze de altura, formado por 424 blocos recicláveis,se transforma no maior telão em alta resolução do mundo. É de tirar o fôlego as transformações com o muro durante o show. Ele se quebra, abre janelas, monta, se desmonta, projeta imagens psicodélicas de Gerald Scarf, efeitos especiais, fotos de vítimas de guerra e claro, muitas mensagens subversivas e anti-governamentais. O muro é constantemente grafitado por ninguém menos do que grafiteiro e ativista político inglês Banksy, ícone da contra cultura e que até, graças a inúmeros efeitos especiais, faz uma ponta no show. O brasileiro Jean Charles, assassinado pela policial inglesa no metrô de Londres é homenageado ao final da canção “Happiest days of our lives”,ao lado de diversas pessoas que perderam a vida em guerras. Waters dedicou o show de SP a Jean, a quem chamou de vítima do terrorismo do estado. A temática do espetáculo, apesar de toda parafernália visual, é política. Há diversas mensagens subliminares e outras explícitas, como a grafitada no gigante porco inflável que voava sobre a plateia, com a frase “O novo código florestal, irá matar o Brasil”. Na belíssima canção Mother, com direito a uma mãe gigante vigiando o filho Waters, na frase “Devo confiar no governo” o muro dava a resposta com um gigante No Fucking Way, traduzido para português logo em seguida e claro, ovacionado pela plateia. A clássica AnotherBrick in The Wall, contou com a participação de crianças de Heliópolis para o coro infantil e uma coreografia junto a um boneco gigantesco de professor. Com um espetáculo realmente impressionante, Roger Waters se mostra em forma e leva sua mensagem anti-guerra e contra-sistema pelo mundo afora como um grande circo multimídia apolítico e contestador. Gratificante saber que ainda há no mundo milhões de pessoas que são tomadas e tocadas por arte e não apenas seguidoras de canções com coreografias para macacos amestrados e letras feitas apenas por vogais. Passaram-se 30 anos, mas a chama do rock ainda flama e as faíscas de uma revolução pipocam pelo ar. Que os muros da ignorância sejam um dia enfim derrubados e a arte nos aponte uma resposta, um novo caminho ou nunca passaremos de apenas mais um tijolo neste eterno muro de lamentações.

Um comentário:

Emerson Silva disse...

Muito bom! Estou dando uma pesquisada em The Wall e caí por aqui.

Acabo de postar uma análise do filme, se tiver afim dê uma olhada:

http://asabiaignorancia.blogspot.com.br/