A ambição de ser o ter
Ninguém descreveu melhor as tragédias familiares regidas por grana, sexo e poder do que o genial Shakespeare e o anjo pornográfico Nelson Rodrigues. O fato é que mesmo existindo um abismo de séculos entre um e outro o que se vê é que a condição humana permanece a mesma, infelizmente, e esta tríade (grana, sexo e poder) ainda corrompe e destroi tudo aquilo que, pela teoria, deveria ser indestrutível.
A família ainda é o elo forte entre você e o mundo. Sua família pode não ser você, mas sempre está junto de você porque compõe parte de todo o universo onde se cria a sua identidade pessoal. Toda a doutrina social ou antissocial que visa destruir a família é ruim e absolutamente degenerativa, pois ao se decompor uma sociedade o que se acha como resíduo final não é o indivíduo em si, mas sim a família. Assim como o sangue que une os membros desta, os sentimentos e emoções também estão ligados e interligados eternamente como uma teia e tudo o que você faz a esta teia, de uma certa maneira, está fazendo a si mesmo e, geralmente, as consequências são fatais.
Uma prova recente disto é o angustiante filme “Antes que o diabo saiba que você está morto” do diretor Sidney Lumet. A trama gira em torno de dois irmãos que planejam e cometem um assalto frustrado e desastroso contra a joalheria da própria família e, como num castelo de cartas, as vidas que compõem a família dos mesmos vão caindo uma a uma após um sopro equivocado do destino, se é que o dito cujo se engana. As brilhantes atuações de Philip Seymour Hoffman, Ethan Hawke, Marisa Tomei (sempre sedutora) e o veterano Albert Finney dão vida a esta tragédia agonizante que deixa a plateia a cada segundo mais perplexa com a proporção que um acidente gerado pela ambição possa causar.
Infelizmente o vinho barato da ambição (que deve ser embalado em caixa Longa Vida) embriaga muito mais que o bom vinho da glória e a ressaca pode durar uma vida inteira. Nicolau Maquiavel dizia que a ambição do homem é tão grande que, para satisfazer uma vontade presente, não pensa no mal que daí a algum tempo pode resultar dela. Woody Allen (lá vai eu falando do Woody de novo) já havia explorado o tema com “Sonho de Cassandra”, numa trama quase que semelhante a esta de Lumet, onde dois irmãos endividados (Ewan McGregor e Colin Farrell) resolvem pedir ajuda financeira a um tio rico que lhes faz uma exigência que mudaria a vida de ambos para sempre: cometerem um crime. Apesar do forte tema, Woody consegue criar uma verdadeira tragicomédia, diferente do filme de Lumet que não extrai sequer um simples sorriso do público e muito menos almeja isto, pois o roteiro é tenso e frio assim como o espírito do ambicioso.
Antes que algum ambicioso me processe por difamar tanto assim este adjetivo, salvaguardo aqui que a intenção do texto não é depreciar a ambição de ninguém, até porque acredito que toda pessoa deve ter em si a garra e a vontade em querer ser grande, porém a ressalva: trocar o amor à ambição pela ambição ao amor. Jamais passar por cima, prejudicar ou se transformar em algo frio e calculista em nome de um desejo fútil e vazio de acumular algo que quase nunca necessariamente precisamos. Mas deixando a filosofia em stand by, fica a dica do filme de hoje, somados a textos de Shakespeare e de Nelson Rodrigues e de tudo aquilo que você possa consumir e digerir de sua maneira para compreender melhor (ou não) a condição humana, pois assim como sua família estes sentimentos podem e devem representar seu passado, seu presente e seu futuro.
A sociedade é só um plug conectado a você e sua família e, enquanto ele não entra em curto, eu apenas desejo que dome sua ambição para que esta não te cegue e nem te carregue para o paraíso que você almejou com ela, mas se meu desejo falhar, espero que você se divirta por meia hora neste paraíso, antes que o diabo saiba que você já está morto.
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