O dia em que Che levou umas palmadas
Recentemente, numa entrevista para promover o filme Che, o ator Benicio del Toro gaguejou, ficou mudo, pagou mico e, claro, virou sensação no You Tube. A jornalista nitidamente hostil já atacou o ator com a primeira pergunta: “por que estrear um filme sobre Che Guevara numa cidade (Miami) onde vivem tantos cubanos vitimados por um sistema que ainda está implantado em Cuba? É uma provocação?” Benicio, se enrosca, gagueja e a moça continua destilando sua fúria desconexa: “O filme traz uma imagem positiva do Che e, imagine que se fosse sobre Hitler, estaria ofendendo aos judeus.”
Ele tenta se sair bem e diz que o Che não criou campos de concentração. Mas a jornalista, ligeira no raciocínio e como uma louva-deus - já arrancando a cabeça de Del Toro - dispara: “Estamos falando sobre assassinos. Não é o mesmo crime assassinar uma pessoa, cem ou cem mil?” E ainda acrescenta: “Você sabia que o Che, quando esteve encarregado da prisão de La Cabaña, mandou fuzilar pessoalmente mais de 400 pessoas?”
Benicio del Toro parece acordar do espancamento e manda um jeb na moça, comentando sobre pena de morte mas a peso pena mais rápida do jornalismo contesta e manda o troco no fígado afirmando que foram execuções sumárias, sem julgamento prévio. Benício no chão, sangrando da surra, clamando para o fantasma do Che salvá-lo, solta uma pérola da inocência: “Todos assassinados eram terroristas ligados ao ex-ditador Batista”.
Ela notando a fraqueza de sua vítima e percebendo que a luta já está ganha, pisa na cabeça do pobre adversário sangrando no chão e executa-o dizendo que todos foram assassinados por suas opiniões contra o governo revolucionário. Foram mortos por suas consciências. E que o filme não mostra os fuzilamentos, os disparos que o próprio Che deu, em execuções, a sangue frio. O ator se cala e joga a toalha. Ela mais fria e mais exterminadora que o próprio Che encerra a entrevista perguntando se Benicio conhece a seguinte declaração de Che Guevara: “A forma mais positiva e mais forte que há, à parte de toda ideologia, é um tiro em quem se deve dar em seu momento”. Benício diz que não se lembra e pede pra ir embora da entrevista. Ela concede, vitoriosa, mas antes lhe presenteia com um livro sobre o Che violento, escrito por um historiador cubano e ex-preso político na ilha.
A jornalista, Marlen Gonzalez, claro, é de origem cubana. Há duas questões importantes neste duelo descrito acima. A primeira dela diz respeito a desmascarar falsos heróis ou manchar a imagem com que os mesmos foram pintados na galeria da história. Há inúmeras controvérsias sobre a vida e claro, a “obra” de heróis endeusados, como Che, Gandhi, Chico Mendes, Zapata, Carlos Lamarca, entre outros. Muitos alegam que alguns pregavam a paz, mas violentavam suas esposas, outros lutavam por uma causa absolutamente particular e não coletiva, e que outros eram apenas comunistas, portanto os vilões da história, enfim, muito blá, blá, blá sobre quem fez história, ainda mais se conseguiu de certa maneira mudar os rumos dela.
O fato é que não existem santos e ninguém neste mundo é absolutamente perfeito. Porém acredito que em alguns casos, a máxima “o fim justifica os meios” cabe como uma luva na mão da história e dos “heróis” em questão, além do fato de que toda e qualquer revolução foi primeiro uma ideia na mente de uma destas pessoas.
Revolução, aliás, que ao meu modo de vista, deveria permanecer revolução sempre, para resistir, pois quando se torna governo, já está falida. Todo país, estado ou qualquer outro lugar que deixaram de ter uma revolução permanente acabaram por recuperar a sua tirania e tudo voltou ao mesmo lugar. Em cima disto, reflitam sobre um pensamento de Bretch: “Miserável país aquele que não tem heróis. Miserável país aquele que precisa de heróis”.
Che Guevara, herói ou não, caiu na contradição da história e virou produto daquilo que combatia. Já a segunda questão (não me esqueci) é a de que as pessoas insistem em confundir ator com criador ou criatura. O ator tem uma única função: representar. Uns estudam mais sobre o assunto a ser retratado e outros menos, mas isto não os faz menores ou maiores. Ator bom é ator que nos convence ali na cena e ponto final.
Já vi atores prolixos, cultos, que sabem de tudo, mas que em cena são canastrões e mal conseguiriam convencerem suas mães, sobre seus papeis. Há atores que se dedicam ao ato de representar a emoção descrita e sugerida pelo roteirista e moldada pelo diretor. E Benicio é fera nesta arte. Seria melhor ainda se ele dominasse o assunto como um historiador? Sim, talvez seria, mas como já mencionei, não há perfeição. Ninguém neste mundo é perfeito.
Mas se tem uma coisa que eu não sou nada fã é entrevista de ator sobre seu personagem. É como pedir para um poeta explicar sua poesia. Pedir a um jogador que divague sobre seu gol. Um músico que tenha de explicar melodia por melodia de sua canção. Emoção não se explica, caros amigos, se sente! Ao Che, ficam minhas saudações e respeito pela coragem e ao Del Toro fica a dica: quando não se domina um assunto em pauta é melhor ficar calado para deixar que os outros pensem que você é um idiota, ao invés de abrir a boca e acabar com esta dúvida.
Um comentário:
hay que endurecer,pero sin perder la cintura jamás haha!
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