sexta-feira, 29 de maio de 2009

UM SAMBA PARA ED WOOD



Todos sabem que como um bom jazzista, blues man e um autêntico roqueiro de carteirinha, o que menos suporto é dupla sertaneja. Não há nada mais óbvio, mais brega e mais maquinado do que uma dupla sertaneja. Todas são absolutamente idênticas no mal gosto, na cafonice e na falta de estilo próprio. Não há nada de novo no centro oeste? Mas já que graças a Deus o assunto é cinema, vou falar de duplas perfeitas nesta área e claro, a minha favorita delas. Depois de Fellini e Mastroianni e de Scorsese e De Niro, creio que a dupla mais simbiótica do cinema, na relação ator-diretor seja Tim Burton e Johnny Depp.Nesta relação que já perdura por anos e que está em fase de acabamento do sétimo filme juntos - Alice no País das Maravilhas - o versátil ator, sempre camaleônico sob a batuta de Burton, dará vida desta vez ao Chapeleiro Maluco, personagem clássico de Lewis Caroll. Nas três duplas citadas é notório que o diretor encontrou no ator específico seu alter ego, mas no caso do Deep e de Burton isto ultrapassa os limites, pois toda bizarrice de Tim Burton é transportada para a beleza andrógena de Depp que condensa com maestria esta influência em personagens excêntricos, tudo milimetricamente calculado e perfeito aos nossos olhos. Seja ele um jovem Frankenstein com mãos de tesoura, um megalomaníaco e fantasioso chocolateiro, um barbeiro vingativo sanguinolento, um investigador neurótico, um noivo no mundo dos mortos por engano, ou o personagem a quem atenho esta coluna: um diretor de cinema detentor do título de pior diretor de todos os tempos. Senhoras e senhores, lhes apresento, mr. Edward Wood Jr, vulgo Ed Wood. Revendo o filme pela sexta vez (por se tratar de um de meus favoritos), é notório que depois de Edward Mãos de Tesoura (personagem favorito de Depp, pelo qual ele e Burton se identificam assumidamente), este que fora o segundo trabalho da dupla, já beira a perfeição. Faturando Oscar de melhor maquiagem e de melhor coadjuvante para o exímio Martin “Bela Lugosi” Landau, o filme é uma obra prima para os fãs de cinebiografias. Com um roteiro esperto, uma fotografia perfeita em P & B e um elenco de ponta, o filme convence os fãs de Wood e o apresenta com maestria para novos admiradores. Eu estudei por um bom tempo a carreira de Ed Wood e posso afirmar a vocês que Burton foi fiel e que de fato o personagem se confunde com o criador. Ed Wood deveria ter nascido brasileiro, porque ele não era de todo mal, muito pelo contrário, era um otimista, visionário e guerreiro que com punhados de dólares realizava seus filmes, sejam eles ruins ou não, porque convenhamos que isto é relativo, já que há muito filme pior aqui na nossa terra e ainda feito com dinheiro público apadrinhado pelas leis de incentivo fiscal, além é claro dos terríveis blockbusters americanos com orçamentos que suportariam toda a pequena carreira de Wood e de mais uns 400 diretores estreantes. Já vi grandes diretores cometerem falhas imperdoáveis de continuidade, que inclusive era o quadro preferido de meus oito espectadores - o saudoso “Comédia dos Erros”¬ - do meu programa Cinelândia. A diferença de Ed Wood para nós e que talvez a gente tenha uma autocrítica um pouco mais acirrada que a dele e uma inocência não tão peculiar quanto a do moço que adorava se vestir com roupas femininas, mas era heterossexual convicto, o que nos mostra que Ed era um diretor repleto de contradições, assim como Johnny Depp que faz brilhantemente papéis excêntricos e fora das telas é um dos poucos astros não excêntricos. Um sujeito simples, bacana com os fãs e recluso com sua família em Paris distante do glamour de Hollywood. Seres contraditórios assim como eu, como você, como nós, que habitamos um país mais do que contraditório. Um país onde falta saúde, mas sobram verbas para hospitais desperdiçadas indevidamente em viagens de amigos e parentes de políticos para o exterior. Um país onde falta educação, mas sobra ignorância. Um país onde falta honestidade, mas sobra corrupção. Um país onde falta paz, mas sobra violência pelas ruas. Um país onde falta honra, ética profissional, amor ao próximo, uma distribuição justa de renda, respeito aos idosos, mas que sobra ganância, assaltos a cofres públicos, crianças abandonadas em faróis, pedofilia descarada, mal gosto e por falar nisto, claro sobram duplas e mais duplas sertanejas. O que é pior? Um filme de Ed Wood ou um simples retrato de nosso país? Presume-se de fato que o Brasil é um quintal onde se faz churrasco toda semana com a carne magra que resta no corpo dos miseráveis enquanto os ignóbeis ricos, colunistas sociais e toda a turma de ricos pobres se intoxicam ao som de músicas cafonas cantadas em duas vozes dissonantes. Não seria o Brasil um filme do Ed Wood? Quem sabe nossos governantes não sejam os reais merecedores do título de pior direção de todos os tempos, ao menos quando o assunto é dirigir uma nação. Triste é saber que Ed Wood ao menos era sincero, honesto, nos fazia rir e dirigia ficção e seu terror não chegava nem perto da nossa realidade, como país. Nosso Plan 9 é bem mais verde e amarelo!

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