quarta-feira, 16 de março de 2011

99 NÃO É 100



O planeta vive um momento delicado em função da inversão térmica causada por um péssimo inquilino da Terra: nós, seres humanos. Por outro lado também sofremos em função de outra inversão tão grave quanto: a inversão de valores. Ruy Barbosa já dizia que de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantar-se o poder nas mãos dos maus, o homem chega a rir-se da honra, desanimar-se de justiça e ter vergonha de ser honesto. E eu acho que o nosso Águia de Haia infelizmente estava com a razão, pois num mundo onde banqueiros destroem populações com uma ferocidade maior que a de um tsunami e são tratados como deuses, algo está errado. Num certo país então, bandidos corruptos, com sua “ficha limpa” comprada, se dizem mais limpos e íntegros que qualquer cidadão honesto e trabalhador; um deputado semi analfabeto preside a comissão de educação e o chefe nefasto da quadrilha do mensalão, preside a comissão de justiça. O que se esperar de uma terra assim? Até a cantora delicada, simpática e de índole casta, resolveu virar devassa só para não se sentir diferente e fazer parte do grupo de “elite”. Seria o “efeito Ruy” da vergonha de ser, digamos, normal? O cinema brasileiro que não podia ficar de fora desta inversão também levou milhões de pessoas a ver um filme (aliás péssimo) sobre uma prostituta consumista e viciada (na época do diário como a mesma descreve) enquanto de outro lado um filme que fala de valores morais e acima de tudo dignidade humana é desprezado. Detalhe: concorreu ao Oscar este ano e sequer 99% da população soube de sua existência. O filme a que me refiro é “Lixo Extraordinário”, um documentário fabuloso sobre um projeto do nosso artista plástico Vik Muniz (respeitado no mundo inteiro, mas aqui...quem é ele mesmo?) junto aos catadores de matérias recicláveis do Jardim Gramacho, um dos lugares mais miseráveis do Brasil. Neste lixão horroroso onde grande parte do lixo do RJ desemboca, estas pessoas fazem o trabalho (ecológico e econômico) de separar o lixo do material reciclável. Uma metáfora interessante esta, já que o próprio Vik escolheu trabalhar com gente reciclável, que só precisa de uma chance para se transformar, ao invés de investir em lixo, como muito tem se feito em nosso país ao retratarem vida de traficantes, políticos e outras peças que não se reciclam e só visam poder. Neste belo e emocionante filme o artista em conjunto com alguns catadores selecionados por ele elabora fotos que se transformam em arte feita de lixo numa proporção inversa à da nossa TV que costuma nos empurrar qualquer forma de lixo como se arte fosse. A vida destes moradores se transforma e o emocionante é você testemunhar nos depoimentos os reais valores ali gritantes onde por exemplo, uma das moças catadoras de lixo se orgulha de tal profissão digna ao invés de se prostituir, vender seu corpo a troco de vil metal. O líder do grupo, Tião, é outro exemplo, pois divaga Maquiavel, Nietzsche, e até a obra Marat Sade de Peter Weiss, conhecimento adquirido de livros que resgata do lixão, enquanto estudantes de classe média alta, mal sabem escrever uma carta e pensam que Rimbaud é um dos personagens criados por Stallone. As histórias destas pessoas demonstram afeto, amor, fraternidade entre si e tornam o filme em uma lição de amor e de altruísmo, palavra tão rara nos dias de hoje, onde o Ter prevalece sobre o Ser. Será que o verdadeiro lixo não está dentro das mansões fechadas com muros e portões altos? Será que o lixo que mais fede, mais contamina, não é o lixo oriundo da pobreza moral e cultural que assola nosso país? Ainda creio que ser um homem de valor ainda valha mais que ser um homem de sucesso, pois nem todos nos dias de hoje podem ter um curso superior e um bom emprego, mas podem ter respeito, alta escala de valores e um espírito justo que são a verdadeira riqueza de qualquer pessoa. Deus está se tornando imunidade diplomática. A pessoa mente, mas crê em Deus, trai, mas é temente a Deus, engana, mas lê a palavra de Deus, sem saber que Deus pouco se importa para o que você lê sobre Ele e sim para o que você OUVE Dele. O que você faz de bom deve ser um segredo entre Ele e você, então pare e pense se de fato vocês tem mantido bons segredos? Você tem dividido tanto quanto tem mutiplicado? Quantas vezes tem ajudado alguém? Se importado com alguém? Estendido sua mão para levantar alguém? Devíamos amar as pessoas e usar as coisas, mas estamos amando as coisas e usando as pessoas. Nesta inversão, nos tornamos lixo e nem um pouco extraordinário, não é mesmo?

Um comentário:

Unknown disse...

É!!! E o que mais dói é que esse contexto não vai ser diferente, por mais que tenhamos ainda alguma esperança...