
O ex-titã Arnaldo Antunes teve sorte na carreira, nas escolhas, nas amizades, na família e acima de tudo sorte na vida. Quantos artistas poderiam se dar ao luxo de festejarem seu aniversário de 50 anos,
junto de amigos presentes assistindo à sua banda tocando no telhado de sua própria casa para um especial de TV? Claro que com tudo isto, o jovem Arnaldo deve ter uma legião de invejosos e para isto, sabiamente usou como figa a canção “Invejoso” no set list deste show que se tornou um DVD recomendado. Dentre os terríveis pecados capitais, a inveja é tão horrorosa que nem entre os círculos infernais concebidos por Dante Alighieri, no “Inferno” de sua “A Divina Comédia”, não havia sequer um círculo para a inveja. Claro que Dante,
para não deixar tamanho pecado fora de discussão, plantou-o no “Purgatório”, afinal nem Deus (Paraíso) e nem o diabo (Inferno) têm estômago para tamanha transgressão. A punição de Dante para estas almas invejosas era nada mais ver, pois suas pálpebras eram costuradas aos olhos por fios de metal. Como invejar agora se toda a consumação desse pecado vem da visão? A inveja vê sempre tudo com lentes de aumento que transformam pequenas coisas em grandiosas; anões em gigantes; latão em ouro, mas o fato é que bem menos pior do que ser digno de inveja, é ser digno de lástima! Como em lugares onde a inveja é semeada, as idéias já nascem mortas, resta ao invejoso um único talento que é o de mentir, pois a calúnia é sua única arma, já que covardia e desonra estão
conectadas ao seu DNA desde o nascimento, condenando-o ao eterno destino de ser ninguém. Sendo assim é praticamente natural destruir aquilo que não se pode possuir, negar tudo o que não se compreende, e claro, insultar aquele que se inveja. Geralmente, com raras exceções, o mentiroso é um covarde que teme olhar nos olhos de sua vítima, pois neles sempre acaba enxergando o reflexo de seu eterno fracasso e de sua pobreza moral e espiritual. Ele critica o objeto de seu desejo porque no fundo gostaria de ser ou de estar na posição do mesmo. Shakespeare - grande conhecedor da alma humana - soube explorar muito bem este perfil
em duas de suas obras: Ricardo III e Othelo. Na primeira, o protagonista é um homem invejoso, com deficiências de caráter maior que suas deficiências físicas explícitas, mas que com muita eloqüência e habilidade maquiavélica, sobe ao trono, mas sendo derrotado ao final e oferecendo seu reino em troca de um mísero cavalo. Qualquer semelhança com o destino de invejosos atuais, não é mera coincidência. Na peça Othelo, Iago é um invejoso ardiloso e estrategista que com língua ferina e maléfica envenena a mente de Othelo com mentiras sobre Desdémona, sua amada, levando este a assassiná-la. Para os que achem Shakespeare erudito demais (o que não é), há exemplos mais simples como Dick Vigarista, o leão Scar, do premiado Rei Leão da Disney,
o compositor pérfido Salieri, que invejava Mozart no brilhante filme Amadeus, e talvez a mais clássica de todas, a Rainha da história da Branca de Neve, que não podendo ser mais bela que a outra, decide matá-la. Será que ao olhares no espelho, caro leitor, você também pergunta se há alguém mais belo, mais rico, mais jovem que você? E o que pensas com relação à resposta a isto? Cuidado, pois lembre-se que mesmo sendo casto como gelo e puro como a neve, ninguém está livre da calúnia, afinal vivemos em um tempo em que pessoas sábias costumam falar sobre idéias; pessoas comuns falam sobre coisas, e somente as pessoas realmente medíocres falam sobre pessoas, e sempre com maledicência. Arnaldo Antunes já lhe perguntou uma vez se você tem fome de algo ou tem sede de algo, mas com este DVD e a canção a que o texto se refere, ele lhe pergunta olhando aos olhos: Você tem inveja de que?







































